sexta-feira, outubro 10, 2003

A PEDOFILÍA E O SISTEMA JUDICIAL

É muito especulativo analisar as questões do Processo da Casa Pia com base nos factos ou acontecimentos do dia a dia, que podem ser negativos ou positivos para esta ou para aquela parte, mas que não permitem, em cada momento, uma extrapolação séria das consequências futuras. Ouvir o Senhor Procurador-Geral da República dizer que não houve unanimidade do colectivo do Tribunal da Relação é um detalhe. Ouvir o Senhor deputado Jorge Lacão comentar o Acordão é outro detalhe. Retorquir ou argumentar perante tais detalhes é especulativo. Mas o mais grave é que tais especulações podem ser intencionalmente criadas e enquadradas dentro de uma estratégia visando determinados objectivos. Penso que isso está a acontecer. As forças em presença têm estratégias bem definidas e actuam no dia de forma a criarem os cenários mais convenientes aos seus interesses, utilizando (diria antes manipulando) a avidez que os orgãos da comunicação social têm pelos acontecimentos do tipo "big brother", isto é, a realidade em directo.

Procurando fazer uma síntese dos acontecimentos o que me parece poder concluir-se nesta altura, globalmente, é que:
1. As vítimas estão a ser esquecidas ou, pelo menos, ignoradas;
2. O Juíz que, a troco de um baixo salário e correndo riscos físicos que justificaram a existência de guarda pessoal, teve a coragem de enfrentar um processo envolvendo ricos e poderosos, está quase transformado no "mau da fita" (tipo árbitro que errou e é responsabilizado pelo resultado);
3. Objectivamente, o único dos arguidos a ser libertado foi um político;
4. As várias componentes do sistema estão em guerra aberta, sem qualquer pudor (Advogados de defesa, Ministério Público, Tribunal da Relação, Poder Político (PS), comentadores de televisão e as próprias estações).

Em meu entender, seria muito mais salutar discutir-se publicamente a metodologia do sistema judicial do que observar a cada passo as suas consequências no processo em questão (demora processual, tempo excessivo de detenção, excesso de mecanismos de defesa, ausência de conhecimento das bases acusatória nos casos de prisão preventiva, etc.).

Por essa via, o sensacionalismo não seria tão grande, mas poder-se-ia rever e melhorar o sistema.

O que me parece estar a passar-se com este processo é o que habitualmente acontece com os jogos de futebol, em que ambas as partes pensam que vale tudo para ganhar ou para justificar a derrota e que, quando perdem, encontram sempre um outro responsável (normalmente o árbitro, cujas decisões no campo são discutidas e desrespeitadas).



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