quarta-feira, setembro 07, 2011

Quem é mais simpático?

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Aprender chinês

O facto de ter escrito um pequeno texto sobre a minha vivência em Macau na década de 80, que me foi solicitado pelo banconacionalultramarino.blogspot.com, fez –me recordar alguns episódios que guardo em memória.
Uma das dificuldades com que me defrontei foi o facto de não ter quaisquer conhecimentos de cantonense, que certamente me seriam muito úteis e me facilitariam os contactos com a comunidade local.
O recurso a tradutores era muito frequente e esse apoio anível profissional era-me dado por um assistente de direção de origem chinesa, que era um técnico qualificado, um homem de muito bom senso e profundo conhecedor da mentalidade chinesa e portuguesa, interpretando muito bem as divergências culturais.
Com as suas qualidades era muito mais que um simples interprete. Era um excelente colaborador e veio a ser um bom amigo.
Com o andar dos tempos, fui constatando que o recurso a interpretes era absolutamente necessário para ultrapassar a barreira das línguas e era portanto um ato banal e vulgar.
Mas nos primeiros tempos decidi que tinha que fazer um esforço para aprender chinês, embora me tenha sido delicadamente dado a entender que a missão era praticamente impossível em tempo útil, dado o horizonte esperado da minha presença em Macau.
Mas insisti e contratei um jovem chinês que todos os dias se deslocava a minha casa e me obrigava a repetir, insistentemente, palavra apalavra, até formar uma frase.
A frase que na altura desejava aprender estava relacionadacom o facto de o telefone que me fora atribuído não passar primeiro por qualquer outra pessoa, vendo-me sempre confrontado com alguém que me dizia algo que eu não entendia e a quem gostaria de poder responder em chinês: “Está ? Fala do Banco Nacional Ultramarino… Por favor ligue para o número tal”.
Pronunciar esta frase foi uma das tarefas mais difíceis que tive na vida.
Rapidamente percebi que a primeira grande dificuldade consistia na circunstância de que cada som tinha vários tons, com diferenças quase impercetíveis para os meus ouvidos mas com significados muito diferentes. Uma ligeira nuance num tom podia transformar uma palavra vulgar numa outra ofensiva ou caricata. O risco de abrir a boca era imenso.
Para complementar o trabalho de casa utilizava no carro uma cassete que ouvia com muita atenção sempre que era possível. O meu empenho era, portanto, total.
Finalmente chegou o dia em que o professor se arriscou a considerar-me capaz de dizer a frase. Nesse dia, a caminho do Banco, estava eufórico e aguardava com ansiedade o momento de poder pronunciá-la.
Mas nunca cheguei a fazê-lo. Quando cheguei ao meu gabinete e o telefone tocou ouvi a voz de uma secretária que em bom português me deu os bons dias e me perguntou em que podia ser útil.
Tinham-me substituído a ligação e não precisaria nunca de utilizar a frase…
Não continuei a estudar chinês…
Estava demonstrado que não obteria resultados em tempo útil.
Foi a primeira lição.
A segunda tive-a num dia em que participei numa reunião de bancos e vi dois chineses a falarem entre si através de um intérprete porque não se entendiam: um falava cantonense e o outro mandarim, ambas línguas chinesas, mas impenetráveis entre si.
Curiosamente, na forma escrita são ambas razoavelmentecompreendidas pelas duas etnias.
No que me diz respeito, fiquei mais aliviado. Se doischineses não se entendia entre si, não podia sentir-me mal por não me fazer entender por eles.
……………
E passei a dedicar-me ao aperfeiçoamento do meu inglês, que mais uma vez se impôs como língua internacional.

O BNU em Macau na década de 80.

Foi-me solicitado que desse testemunho da minha vivência no BNU Macau.

Não sei quem foi a pessoa que se lembrou da minha passagem por Macau, mas aqui lhe agradeço o pedido, que atendo com muito gosto, porque penso que efectivamente a história das Instituições, tal como a dos países, se faz com o somatório de testemunhos de quem participou ou viveu os acontecimentos.

Neste caso trata-se de memórias que ainda interessam a muita gente, como se comprova pelo interesse e o entusiasmo da participação que esse blog tem e da saudade que o Banco Nacional Ultramarino desperta em todos aqueles que o serviram e ajudaram a cumprir a sua Missão.

Também eu tenho saudades e confesso que nunca pensei ver o Banco desaparecer.

Fui para Macau em 1980 e de lá regressei em 1988.

Macau era nessa época um território de 15 km2 e 500 mil habitantes, onde as comunidades chinesa, luso-chinesa e portuguesa conviviam em ambiente fraterno. A autoridade portuguesa era simbólica e pouco mais fazia do que gerir os interesses da pouca presença portuguesa, com base num orçamento alimentado quase que exclusivamente por receitas do jogo. Havia um hospital e um liceu para os portugueses e pouco mais. A comunidade chinesa vivia um curioso sistema de autogestão orientado pelos seus líderes (Ho Hin, Maman Kei, Stanley Ho e outros) que detinham as grandes fortunas e os grandes negócios e, em contrapartida, davam satisfação às necessidades básicas da população, designadamente em matéria de saúde e ensino.

O BNU tinha uma actividade reduzida, comparativamente à dos bancos chineses e a pataca não exercia qualquer influência na economia do território, onde circulava principalmente o dólar de Hong Kong e o renminbi.

Neste cenário foi curioso assistir ao aparecimento do chamado Instituto Emissor de Macau, primeiro passo para a criação do Banco Emissor de Macau, que retiraria essa e outras importantes funções ao BNU, que ficaria limitado à sua pequena quota de acção comercial. Tratava-se de um projecto nascido em Lisboa, do desejo do Governo de Macau, mas que não podia agradar nem ao BNU nem a Pequim. Durante os anos em que tive a responsabilidade da direcção do Banco em Macau, o meu papel, bem como o dos meus colegas de direcção e de outros colaboradores próximos, foi o de resistir como pudemos a esse projecto, com o apoio da Administração em Lisboa, enquanto a ela presidiu o Dr. Mário Adegas. Tivemos também a compreensão tácita da influência chinesa.

Refira-se que felizmente o projecto não se concretizou e que o BNU, por decisão da Republica Popular da China, manteve todas as suas funções até 2049, quando terminará o período de 50 anos estabelecido por Pequim para a actual autonomia (à semelhança do que aconteceu em relação a Hong Kong).

Portugal baixou a sua bandeira em 19 de Dezembro de l999 mas o BNU continua em Macau sem ter perdido nenhuma das suas atribuições.