segunda-feira, fevereiro 02, 2004

NO NORDESTE BRASILEIRO, II

No nordeste brasileiro, a cidade de Fortaleza é feia e suja. Na Av. Marginal, onde se situam os principais hotéis, não se pode tomar banho porque a água é poluída.
Mas os brasileiros são muito simpáticos e comunicativos, as praias ao longo da costa são lindíssimas. A natureza propicia-nos coisas saborosas, como as frutas e os frutos do mar, a preços aliciantes e ainda existe artesanato valioso, pela originalidade e qualidade, como os bordados de bilros feitos à mão por populações do interior, oferecido por valores irrisórios.
Por acréscimo, tudo faz lembrar a África onde nasci: as palmeiras nas praias, a água do coco, a chuva que cai enquanto se mergulha nas ondas, a temperatura da água do mar igual à do meio ambiente e ambas iguais à das chuvas. Só há duas estações: a das chuvas, de Janeiro a Julho, e a do sol, de Agosto a Dezembro. As temperaturas são idênticas todo o ano, à volta dos 28º / 30º.
Mas o que mais surpreende é a capacidade de organização, que era suposto não existir nos brasileiros. Nas praias pululam os vendedores ambulantes, mas todos se identificam com uma tarjeta na teeshirt com a designação de “credenciados”, o que garante um controlo da actividades. Os preços que praticam são idênticos, não havendo especulação de vendedor para vendedor, ou de loja para loja, inspirando confiança ao turista, que assim sabe que não está sendo ludibriado.
Entre as numerosas praias a oeste e leste de Fortaleza existe, a cerca de 85 km, a praia de Morro Branco, com falésias de areias coloridas, grutas e quedas de água doce, que proporcionam um passeio pouco vulgar. Quando foi descoberta a beleza daquela praia e começaram a surgir os turistas, a primeira dificuldade encontrada foi a de, à chegada dos autocarros, as pessoas serem “assaltadas” por dezenas de miúdos, da aldeia de pescadores que ali existia, pedindo uma moeda. A fim de encontrarem uma solução para essa situação desagradável, resolveram as agências de viagem reunir com a miudagem para lhe dizer que o seu comportamento de pedintes iria afastar os turistas e que isso seria mau para todos. Sugeriram que fizessem artesanato e o tentassem vender, de forma organizada. Os miúdos ficaram de pensar. Dias depois deram a resposta. Não queriam trabalhar em artesanato, mas tinham uma ideia. Declararam que pretendiam ser guias turísticos, acompanhando as pessoas, individualmente ou em pequenos grupos, no passeio nas falésias. Esse projecto foi organizado, incluindo formação profissional e a obrigação de frequentarem a escola. Hoje, quando o autocarro chega, não se vêem os garotos, que são chamados depois um a um. Durante o trajecto dão explicações interessantes, contam histórias da vida da aldeia e no fim recebem o que se lhes quiser dar. O passeio turístico passou a ter uma mais valia, os miúdos deixaram de ser pedintes, frequentam a escola e criam aptidões para uma actividade profissional.
Penso que em Portugal continuariam pedintes, sem escolaridade e sem formação profissional.

NO NORDESTE BRASILEIRO, I

Ao contrário das nossas televisões, que enchem o espaço dos telejornais com reportagens sobre as desgraças que vão acontecendo aos extractos mais pobres da população, desde as barracas destruídas, os acidentes e crimes ocorridos, as fábricas que fecham lançando pessoas no desemprego, numa auto-flagelação que tem algo de masoquista, a televisão no Brasil enaltece o Brasil e exalta os brasileiros.
Nos dias que passei recentemente em Fortaleza, comemorava-se o 450º aniversário de S.Paulo de forma alegre e ruidosa e as televisões compraziam-se a mostrar o que de bom tem aquela enorme cidade. Ao mesmo tempo dava-se a conhecer que numerosos arquitectos, engenheiros, artistas, pensadores e outras personalidades trabalhavam para projectar o que será S. Paulo dentro de 50 anos, quando completar 500 anos.
O Brasil goza o dia que passa e constrói o futuro.
Em Portugal, vivemos do passado e das desgraças do dia a dia.